O movimento nas proximidades do Estádio Rungrado May Day – o maior do mundo, com capacidade de 150 mil pessoas –, na capital Pyongyang, já dá a ideia de que estamos prestes a presenciar algo grandioso. A população que adentra o recinto não consegue esconder os sorrisos e a animação e é quase impossível não se contagiar também. Pudera, espera-se o ano inteiro para vivenciar este momento. Ao apagar das luzes, tem início a festa: projeções, raios laser, cores, sons, coreografias, malabarismos, um espetáculo digno de ovação. E ovação é o que mais se escuta ali durante os 90minutos. Afinal, trata-se de um evento idealizado para celebrar o ufanismo e reverenciar seus líderes por tudo o que fazem pela Coreia do Norte.
Além desta exibição, tudo ali parece ser pensado para apresentar as benesses do regime comunista ditatorial que, há três gerações (desde o fim da 2ª Guerra Mundial), toma conta do país. No entanto, após a extinção da antiga União Soviética, a Coreia do Norte vem experimentando um declínio econômico e, na mesma medida, tornado-se uma das nações mais fechadas do mundo. Apesar disso – ou, talvez, exatamente, por isso – possui um quê de mistério que atrai turistas dispostos a desvendar o que se esconde por ali.
Mas, antes de começar a pensar em visitar o país é muito importante ter claro que não é possível desbravá-lo livremente, indo a qualquer lugar que se deseje. Sozinhos ou em grupo, os visitantes não podem andar desacompanhados. E são dois guias à disposição: um designado pela agência contratada e, outro, pelo governo. A boa notícia é que, apesar de parecer impossível entrar neste território, há agências especializadas em realizar todos os trâmites para a visita.
Outro ponto é que o itinerário necessita ser previamente aprovado e tanto as atrações que podem ser visitadas quanto os hotéis onde se hospedar (todos de categoria superior) não são escolhidos pelo viajante, mas pelas autoridades. A rotina de passeios costuma incluir estátuas, monumentos, espetáculos, museus, fábricas e até fazendas, na capital e outras cidades. Tudo isso visa transmitir a quem está de fora a impressão de que o “país funciona” ao contrário do que divulga a mídia mundial.
Invariavelmente, o passeio começa pela capital, Pyongyang, e entre as atrações “obrigatórias” na cidade são:
- Grande Casa de Estudos do Povo: a Biblioteca Nacional da Coreia do Norte. A instituição possui mais de 30 milhões de livros, salas de estudos, computadores com acesso a sites apenas autorizados pelo governo, entre outros serviços. O local ainda oferece cursos de inglês, chinês, russo e alemão, todos gratuitos.
- Praça Kim Il-sung: cheia de símbolos que exaltam a pátria e seu regime comunista, é um espaço em que os locais vão caminhar, conversar e andar de patins.
- Grande Monumento da Colina Mansu
local onde há duas gigantescas estátuas de bronze de Kim Il-sung, primeiro líder da Coreia do Norte, e de seu filho Kim Jon-il, segundo líder e pai do atual governante norte-coreano. Em sinal de respeito, é fundamental reverenciar as estátuas e depositar flores.
- Sistema de Metrô
Um dos mais profundos do mundo, com média de 110 metros de profundidade é também um dos mais baratos, com a passagem custando menos de um centavo de real. Ali, há estações e plataformas adornadas com obras de arte, como pinturas, esculturas e belíssimos lustres.
- Torre Juche
É o maior monumento da Coreia do Norte, com 170 metros de altura. Um elevador nos leva até a chama no topo da torre, de onde se pode observar toda a capital. Na base da torre, às margens do rio Taedong, monumento representando estátuas de bronze de um operário, uma camponesa e um estudante, símbolos das massas que fizeram a revolução no país.
- Museu da Vitoriosa Guerra da Libertação da Pátria: é o mais importante e imponente dos museus da Coreia do Norte, que apresenta tanques de guerra, materiais de artilharia e navios norte-americanos abatidos durante a Guerra da Coreia, como o USS Pueblo, navio de espionagem dos Estados Unidos abatido em 1968. Ali, o uso tecnológico é surpreendente, sobretudo na porção superior, onde há uma sala circular, com bancos no centro. Nas paredes, acontece uma projeção de imagens da guerra coreana, com pinturas, sons e luzes, enquanto o centro da sala começa a girar, oferecendo uma visão de 360 graus, em um espetáculo de tirar o fôlego.
Mass Games – um capítulo à parte
No início do texto, demos um pequeno panorama de uma das maiores festividades da Coreia do Norte. Entre os meses de agosto e setembro acontece, anualmente, o Festival das Grandes Massas e Performances Artísticas ou apenas “Mass Games”. A festividade é inspirada no Ariang, uma canção folclórica muito popular no país – sobre a lenda de um casal separado por um ser maligno. Ela é considerada, informalmente, o hino nacional norte-coreano.
A primeira edição aconteceu em 1946, quando a Coreia do Norte estava sob o comando de Kim Il-sung. De lá para cá, a cada ano, o festival ganha inovações, mas os pontos comuns são a música, a dança muito bem sincronizada e os grandes mosaicos. O evento inclusive, já entrou para o Guiness, em 2002, quando se comemoram os 90 anos de Kim Il-sung. Tudo é feito com o objetivo de valorizar o país, seus líderes, o Partido e as Forças Armadas. Por isso até que o governo faz questão de que os turistas assistam ao espetáculo. A entrada, inclusive, é feita por um portão VIP, junto com autoridades e convidados importantes.
Como entrar na Coreia do Norte?
O Brasil é um dos únicos países a manter relações diplomáticas com a Coreia do Norte e a embaixada fica em Brasília. Mas, para obter o visto, mais rápida e facilmente, deve-se contratar agências europeias ou chinesas que possuem ampla expertise no assunto.
Há duas principais rotas de entrada:
- Via China, o mais comum: voando de Pequim ou Xangai pela estatal Air Koryo. Além disso, também é possível partir de Pequim via trem. Neste caso, a viagem dura 24 horas e o visto é concedido em um papel à parte, que é recolhido no momento da saída do país.
- Via Rússia, por Vladivostok, voando pela estatal Air Koryo em um voo que dura 1h30. Ao contrário do visto à parte, o turista sai da embaixada da Coreia com a autorização de entrada colada no passaporte.
Após passar pela imigração, o turista é recepcionado pelos dois guias. Ou seja: não se sai do aeroporto desacompanhado. Mas, a boa notícia é que os coreanos costumam ser muito simpáticos e receptivos, ainda que apenas uma pequena parte da população fale inglês.
Dicas e informações fundamentais
- É proibido levar: câmera com GPS, telefone por satélite, rádios, impressos que falem do país e aí estão incluídos panfletos de agências e guias de viagem; livros religiosos, como a Bíblia ou Alcorão; qualquer impresso em coreano, a bandeiras norte-americana ou sul-coreana, incluindo aí símbolos.
- Impressos em roupas, bottons ou qualquer outro objeto que remeta a estes países.
- Eletrônicos estão liberados: computadores, tablets, câmeras digitais, iPods, entre outros eletrônicos, mas serão minuciosamente examinados para que não contenham qualquer tipo de propaganda contra o regime ou outras informações que as autoridades julguem ser indesejadas e ofensivas. Nestes casos, o turista pode ser preso. Fotos e vídeos: não se pode ter uma câmera com zoom potente e há locais em que fotos e vídeos são proibidos, como o Mausoléu e o Museu da Guerra. Também não se deve tirar fotos dos militares, prédios do partido ou em construção.
- Internet: costuma ser liberada a estrangeiros, mas o valor é muito alto. Há hotéis em que é possível enviar e-mails, mas não recebê-los. O acesso a sites é limitado pelo governo. Mas, dá para fazer ligações para o Brasil.
- Dinheiro: esqueça os cartões de crédito ou pré-pagos. Ali, só é aceito dinheiro em espécie e não se pode fazer saques. Os comerciantes aceitam dólar, euro e yuan, mas devem estar bem trocados pois é comum que não se tenha troco. Também esqueça cédulas amassadas, rasgadas ou manchadas. A moeda vigente é o won, mas é vedada ao uso por estrangeiros. No entanto, entre os passeios podem estar incluídos visitas a shoppings e supermercados e, somente nestes locais, é possível usar a moeda.
- Presentes e gorjetas para os guias são bem-vindos e considerados sinais de cortesia e gratidão. Entre os presentes mais comuns podem estar cigarros ocidentais ou japoneses, café solúvel, chocolates e cosméticos. Já no hotel e em restaurantes, não é comum dar gorjetas, mas se você deseja arrancar um sorriso de quem está lhe servindo, esta é uma boa dica.
- Assuntos proibidos: em hipótese alguma critique o país, o governo ou faça comparações com o Brasil ou qualquer outra nação. Evite o proselitismo religioso e não tente convencer o outro com suas ideias. Além de grosseiro é um crime sujeito à prisão.
- Reverencie os líderes sempre que orientado pelos guias. Nos memoriais, não deixe de reverenciar as estátuas de Kim Il-sung e Kim Jong-il.
- Restrições de entrada: jornalistas devem ter um visto especial. Além disso, funcionários de empresas de mídia, blogueiros e influenciadores digitais devem consultar a agência de turismo sobre a necessidade de vistos diferenciados. Americanos e malaios são proibidos por seus próprios países de viajarem para lá. Também é vedada a entrada de sul-coreanos.
- Quando ir: é possível visitar o país o ano todo, mas em julho, no verão, além da chuva, a temperatura atinge facilmente 40 graus. Já no inverno, em dezembro e janeiro, as temperaturas chegam a 20 negativos.
- Quanto tempo ficar: o ideal é ficar no país por pelo menos cinco dias, porém caso o turista tenha mais tempo, pode visitar cidades do interior e também a fronteira com a Coréia do Sul.
- O que comer: entre as comidas típicas do país estão o naengmyeon, um macarrão no estilo lámen, servido frio com caldo de legumes; kimchi, vegetais fermentados em conserva; e peixe seco. Entre as bebidas estão refrigerante de pêra, soju e vinho de arroz com teor alcoólico de 25 GL. Mas, uma das bebidas favoritas, que vai muito bem como peixe seco e batata frita, é a cerveja, especialmente as da estatal Taedonggang.
Apesar de todas as restrições impostas aos turistas, o país é considerado muito seguro. A curiosidade em conhecer um lugar tão diferente e fechado pode ser um incentivo a mais para estar ali. Prepare-se para uma verdadeira experiência antropológica, já que os norte-coreanos são realmente isolados do resto do mundo.
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